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  — Felizes olhos, amigo! Até que enfim! Que ausência foi essa? Grande passeata!

  Tio Arruda ignorava que ele, Bambo, passava o inverno recolhido. Que se retirava discretamente num buraco da parede da quinta mal vinha Outubro, e ali permanecia imóvel, calado, sonolento, Novembro, Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março. Daí a razão de semelhante escarcéu.

  Ignorância desculpável, aliás. A gente entende pouco do semelhante. Cada um de nós é um enigma, que a maior parte das vezes fica por decifrar.

  Porque, na verdade, Tio Arruda estava diante de um ser complicado. Com os anos é que verificou como eram enganadoras as primeiras impressões. Também ele fizera juízos temerários, fizera! Magia negra, bruxarias, o diabo à meia-noite nas encruzilhadas… E, afinal… Parecia mentira, realmente. Mas viessem ver a realidade. Viessem ver o demónio do batráquio, reluzente de luar e alheado como um poeta… Quem na freguesia inteira passeava assim cheio de calina e de compenetração no silêncio carregado de estrelas? Quem, àquelas horas mortas, se maravilhava de igual maneira, a olhar deslumbrada a poalha de luz da estrada de Santiago, aberta no céu? Ninguém a começar, por si próprio. Há sessenta anos no mundo, e ceguinho como uma toupeira. E os outros na mesma conformidade. Para todos os habitantes de Vilarinho, sem excepção, as noites eram noites — escuridão apenas. E os dias pior ainda, apesar da claridade. Ricos e pobres nem no brilho do sol reparavam. Comiam, bebiam e cavavam leiras, numa resignação de condenados.

  — A vida é assim…

  E a vida, como um fruto, estava cheia de doçura. Mas fora preciso, para o saber, que Bambo lhe aparecesse…

  Perguntou-lhe

  — E então agora? Quanto tempo por cá?

  Até ao fim das colheitas. Enquanto houvesse um bocado de calor capaz de aquecer o lombo dum cidadão, faziam companhia um ao outro. Punha uma condição: apenas se podiam ver depois de sol posto. Razões particulares…

  Tio Arruda achou bem. As noites estavam realmente maravilhosas. A água da mina, pela calada das horas, rendia mais… De maneira que…

  Bambo, desde o primeiro instante, manteve o silêncio habitual. E Tio Arruda acabou por entender. Afinal, ali, de pés sobre a melhor terra da veiga de Vilarinho, onde as minhocas engordavam como vacas, palavras só de quem tivesse a lábia do pregador de Passos, que subia ao púlpito e fazia chorar os santos no altar. O raio do homem parecia um saca-rolhas a trazer à tona da consciência o que ia dentro da alma de cada um! Mas, fora esse, ninguém na aldeia sabia abrir a boca. Por isso, mais valia seguir o exemplo do amigo, que era de mudez completa.

  E a verdade é que nunca encontrara tanto sentido e beleza às coisas que o rodeavam, como naquelas horas silenciosas. Nelas, até as próprias sombras faziam confidências ao entendimento…

  Tio Arruda andara por maus caminhos. Confessou isso honradamente à porta da igreja, no domingo. Riram-se-lhe na cara. Quem havia de acreditar que um sapo fosse capaz de ensinar a alguém a ciência da vida? Impossível. E Tio Arruda, desiludido daquela incompreensão, voltou às suas regas e à comunhão íntima com a natureza. Precisava de chegar ao fim. Necessitava de aprender o resto da lição de Bambo, guarda zeloso dum mundo fremente de germinações. Entender em que medida ele se considerava responsável pelo pequeno grão que caía desamparado na terra, e até que ponto o rodeava de protecção. Inesperadamente, quando o sol, pela manhã, ao começar o seu giro, coscuvilhava os recantos do planeta, um canteiro, que no dia atrás era chão enigmático, aparecia coberto duma verdura virgem, casta, feita de esperança, água e cor. E só mesmo Bambo conhecia a grandeza do mistério, e o cercava de amor. Nenhuma outra consciência seguira no coração da noite os transes da transmutação germinativa. E nenhuma outra inquietação fazia sentinela ao milagre.

  Seduzida e contagiada, a alma do trabalhador abria-se pouco a pouco às íntimas razões dessa comunhão profunda. Até ali, do crepúsculo ao alvorecer, as horas eram feitas de egoísmo e alheamento. Agora, Tio Arruda descobria em cada gomo ou em cada folha a porta dum Sésamo. E tudo obra de Bambo! Ao lado da sua serenidade e do seu apego à terra, do que nela havia de essencial — o dom de fecundar e parir —, ia conseguindo auscultar as imponderáveis palpitações da seiva. Nada de parecido com o interesse mesquinho, utilitário, que sentia outrora diante duma sementeira a despontar. Numa curiosidade progressiva, verificava com espanto que, além da fome, havia outras verdades. E, como Bambo, já não combatia as pragas apenas para salvar a colheita. Deitava enxofre e sulfato nas videiras, simplesmente para defender a vida. É certo que matava vida. Mas ùnicamente aquela que, errada e parasitária, estava desde a nascença a soldo da morte. Depois, preservado o rebento, expurgada de ervas daninhas a relva tenra do linho, dava largas aos sentidos. E ficava-se também, quieto e deslumbrado, a olhar uma gota de orvalho pousada no cetim de uma pétala, ou a escutar, de ouvido fito, um rouxinol que cantava na Silveirinha…

  Assombrado com semelhante transfiguração, o povo começou a falar. E, pela voz do Chico das Eiras, caçoava:

  — Como vão esses amores, Tio Arruda? Já há menino?

  Nem sequer respondia. Baboseiras, todos as sabiam dizer. Do esforço de descer ao coração das coisas, é que nenhum era capaz.

  Mas um dia Tio Arruda morreu. Um resfriado, e ninguém lhe pôde valer. Nem mesmo a lembrança do mestre, que nesse Dezembro nevoso hibernava filosòficamente num buraco. E, com a sua morte, veio novo caseiro e foi-se de Vilarinho o único homem que sabia de ciência certa quem era Bambo, o sapo.

  TENÓRIO

  Esta é a história verdadeira de Tenório, o galo.

  Nascido duma ninhada que a senhora Maria Puga deitou amorosamente debaixo das asas chocas da Pedrês, em doze de Janeiro, pelas três da tarde, quando a velhota o viu sair da casca, disse logo:

  — É frango.

  E realmente. Aquela amostra de crista que trazia do ovo, poucas semanas depois, parecia já uma mitra. E ninguém mais duvidou de que era frango macho. Dos dois irmãos, muito tinhosos, sempre enjeridos, desses é que a incerteza se manteve por largo tempo.

  — Que te parece, António?

  — Eu sei-te lá, mulher!…

  — O da dianteira está-se mesmo a ver. Aquelas três são pitas, com certeza. Agora estes enxalmos…

  Frangos também, mas fracos. Mal viam gavião sobre o quintal, metiam nojo:

  — Piu… Piu… Piu…

  Lá parava a mãe de esgadanhar.

  — Piu… Piu… Piu…

  Até metidos nos sovacos da progenitora se borravam! Ele, porém, continuava ao ar livre, a desafiar o inimigo, que planava lá no alto.

  — Há-de ficar para galo!

  E a sujeita tinha palavra. Em Maio, por alturas da Ascensão, ao dar de caras com os irmãos degolados e depenados, ainda lhe tremeu a passarinha. Olha que brincadeira! Felizmente que a dona sabia distinguir o trigo do joio, e o deixava para semente… Um futuro bonito, afinal! É certo que não estava nesse momento em condições de apreciar devidamente a grandeza da sorte que lhe coubera. Muito embora a simples certeza de viver lhe enchesse a alma duma confiança cega no porvir, só daí a algum tempo é que viu claramente o tamanho do seu destino. Quando tal compreendeu, cuidou que estalava de orgulho.

  Foi num certo amanhecer de Outubro… Que grande dia, esse! Ao cabo de um sono profundo, acordara cedo, ainda mal se adivinhava a alvorada pelo buraco da fechadura. Um silêncio de comunhão. O cheiro forte do mosto que fervia na adega, adocicado, entrava pelo corpo dentro e punha-o a sonhar volúpias. E, no meio da mudez das coisas e daquele perfume de levedação, começou a sentir uma tal ânsia de abrir o peito e cantar, que até cuidou que tinha febre e delirava. Mas não. Felizmente, estava bem de saúde. A estranha sensação que o atormentava era apenas necessidade de se expandir, de anunciar ao mundo não sabia o quê. Aterrado, tolhido de medo e pudor, cerrou a garganta, numa defesa instintiva. Foi o mesmo que nada. Estoirava, se impedisse por mais tempo a saída dum hino de saudação à luz que vinha rompendo! Nenhuma vontade conseguia açaimar o grito irreprimível que o sufocava.

  E cantou:

>   Cá-que-rá-cá!…

  Acordou tudo. Foi como se de repente caísse um raio no galinheiro e despertasse a mãe, os irmãos e as primas. Ele próprio, mal a voz lhe voou da boca, se pôs frio. E, à semelhança dos outros, ficou reduzido a uma pergunta e a um pasmo. Mas não acabara sequer de entender o que se passava, e já novo brado a sair-lhe do bico:

  Cá-que-rá-cá!…

  O som desta vez pareceu-lhe mais são, mais seguro. E acariciou por momentos o desenho fino e agudo das notas que lhe ficaram a ressoar nos ouvidos maravilhados. Repetiu:

  Cá-que-rá-cá!…

  Qual medo, qual pudor, qual nada! Era ou não era um galo a valer?! Ou não via como, em toda a capoeira alvoroçada, do espanto se passara a um rumor de pura admiração?… Na capoeira e até lá dentro…

  — Ouviste o frango, António?

  — Ouvi.

  Frango! Palermas! O pior é se daí a nada, logo que a patroa abriu a porta do quinteiro, não galou ali á sua frente a Calçuda, a madre abadessa de todo aquele gado! É verdade que foi uma galadela á toa, a ferver, trémula, em que nem teve a certeza de ter deixado semente no oveiro. Mas esteve-lhe trepado em cima como um galo! Como um galo que era já, realmente.

  Frango! Seriam falsas, se calhar, as penas doiradas que lhe almofadavam o peito, e postiços os esporões que, desvanecido, via crescer dia a dia nas pernas lisas e musculadas?!

  Frango!

  Foi, de resto, a última vez que a ama se referiu a ele sem a consideração devida. Pouca tempo depois, quando avisou a comadre, já falou doutra maneira.

  — Vê se fechas a teu galo, que eu não quero que passe a tempo às turras com a meu!…

  Hã?! Pois então! Ali, a dar a mão á palmatória, que não tinha outro remédio! E não lhe fazia favor nenhum. Era um galo, e não cuidasse lá o senhor borra-batas do lado que, por ser novo, lhe havia de andar ao beija-mão toda a vida. Melhor fora! Tirava o chapéu aos mais velhos, mas lá cornambanas, isso é que não! Agora, doesse a quem doesse, santa paciência: ali mandava ele. E muito respeitinho! Mas a outra teimava sempre em manter as regalias antigas, e, ao primeiro barulho que surgiu, a dona preveniu a Teodora. Escusadamente, afinal, porque aquilo só à pancada, como teve de ser.

  Por acaso estava de invernia. Uma sincelada como não havia lembrança. E nem assim o safado do vizinho teve mão no vício! Muito agasalhado nas penas, com ar de quem vinha à bisca, apareceu no quinteiro. Mostrara-lhe a melhor cara, evidentemente. Se queria apenas espairecer, dar dois dedos de cavaco, entrasse e ficasse à vontade. O ladrão, porém, pôs as unhas de fora antes de um credo. Mal acabara de lhe dar as boas-vindas, já o bandalho chamava aos peitos a Garnisé! Cegou-se. O cabrão! E ajustaram as contas logo ali.

  Mas o patife sabia da poda. Tinha prática, o filho da mãe! Uma girândola de bicadas facinorosas, sem errar uma. E golpes baixos, de rufia. A matar, o bandido! Felizmente que descobriu o jogo a tempo. E, como o primeiro milho é dos pardais, deixou-o arremeter, a desviar-se o mais que podia. Salto adiante, salto atrás, o preciso para ir tenteando. O outro, sem perceber a manobra, sempre de espada erguida. Mas já não era criança. Já lhe pesava o papo. Estava aqui, estava como havia de ir. Continuasse. Não fazia mal que o mulherio do galinheiro, deslumbrado, torcesse pelo farçola. Bicho mulher é assim. Não há que fiar. Esperassem-lhe pela resposta! Até ao lavar dos cestos… Um bom bocado, realmente, foi só negacear o corpo, entreter. E, quando o pedaço de asno começou a perder o fôlego, cansado de um quarto de hora de luta, caiu-lhe em cima como um dragão. E sem olhar a meios! O palerma, a cuidar que levava a melhor! Ora aí tinha. Uma tosa tamanha, que à volta houve um murmúrio de espanto. Mais quatro arrochadas, e lá se foi levado pelo mesmo caminho, num frangalho.

  Galo! Galo e duma maneira tal, que agora no quinteiro, mal franzia a testa, tremia tudo! E então lindo! A crista caía-lhe dobrada sobre o ouvido. Um rico brinco de cada lado. E em todo o peito, sobre o papo redondo, um avental de penas que pareciam de pavão! Sem falar nas asas, um primor de beleza, nos esporões que, de brancos, lembravam marfim, e naquela rica voz, legítimo orgulho da dona.

  — Muito bem canta o seu galo, Ti Maria!

  — Nem há…

  Vaidoso e seguro de si, como é natural, já não cantava só ao amanhecer. Cantava ao dar a meia-noite, às tantas da manhã, e várias vezes pelo dia fora.

  À meia-noite, era por simples exibição. Àquela hora, gostava de lançar no silêncio recolhido do lugarejo o seu grito escarolado e subversivo. Fraquezas terrenas… Aproveitava a circunstância de toda a gente dormir, para tocar a sentido. E os mortos, claro, ressuscitavam!

  De madrugada, abria o peito por grata fidelidade ao amanhecer longínquo em que acordara com a vida a bater-lhe nos sentidos. Não tinha mais consoladora recordação na memória… E festejava-a religiosamente.

  Pelo dia adiante, entoava o bendito por motivos particulares… Ah, ele bem sabia que não devia fazer aquilo! Que é feio servir-se a gente dos seus dons naturais para desinquietar lares alheios. Por via disso dera no vizinho a coça que o levara à sepultura, e arranjava sarilhos a cada momento. De mais a mais não tendo necessidade. Quinze mulheres no harém… Que diabo! Mas um homem não se manda fazer. Natureza desgraçada, a sua! Não se fartava! E, quando em casa já tudo se desviava do seu andar de lado, não havia outro remédio senão fazer chegar lá fora um grito de fome. De resto, também gostava de variar… Sabia-lhe pela vida uma extravagância!

  — É danado, o seu galo! Onde não chega, manda. Leva as frangas cá do povo a eito…

  Era a Júlia Pirraças a falar à dona. Ele ouvia com ar modesto. Por dentro, a babar-se, evidentemente. Quem é que não gosta que lhe louvem as valentias?… Ah, se não fosse, o espinho que começava a crescer-lhe no coração!…

  — E tenho aí um filho que não lhe há-de ficar atrás…

  O espinho. Entusiasmada com aquela virilidade, a velha lembrara-se de lhe aproveitar a casta. Andava a criar um cachopo da penúltima ninhada. E não é que o fedelho crescia e prometia?! Raios partissem a sorte! Quando tudo lhe corria às mil maravilhas — fartura, saúde e paz de espírito — aquilo! Claro: passou a empreender no caso, a afligir-se… Cumpria as obrigações, cantava, dava o seu dedo de conversa, mas às duas por três lá vinha a mortificação. Por mais que tentasse disfarçar, não havia maneira.

  — O galo velho tem coisa…

  Galo velho! Isto é que era uma vida!… Andava um homem sabe Deus como, roído por dentro, não lhe apetecia arreganhar os dentes, e logo uma sentença sem apelo: — galo velho! Parece que não dera motivos a ninguém para semelhante juízo?!… O mulheredo continuava a aninhar-se mal o via dar meia volta sobre a asa, e ainda nenhuma se queixara de falta de assistência. Pelo menos, que lhe constasse. A não ser que alguma serigaita… Teria a dona surpreendido qualquer pouca vergonha? Precisava de arregalar os olhos.

  — Mata-se, e faz-se um bolo. O filho já dá conta do recado…

  Era o senhor menino, então, que começava a pôr as unhas de fora! Ah, mas saía-lhe cara a brincadeira! Oh, se saía! Garoto! Um chafedes, ainda com os cueiros agarrados ao rabo, e a fazer-se fino! Ele que o apanhasse com a boca na botija!…

  Passou a vigiar o rapaz dia e noite, mordido duns ciúmes de morte. Mas nada conseguiu descobrir. Durante o resto do verão, não teve a menor razão de queixa. O moço portava-se na linha. E pôde respirar com mais sossego.

  Ora justamente em Outubro, fazia três anos que se estreara, desabou a trovoada. Acordara para tocar a alvorada. O mesmo silêncio profundo enchia a noite, e o mesmo cheiro forte de mosto toldava tudo. E, ao abrir a garganta, rompe a seu lado um canto tão cristalino e tão puro, que se calou.

  — Ouviste o frango?

  — Ouvi.

  Não havia dúvida nenhuma: a formiga tinha catarro. Ou cortava o mal pela raia, ou estava perdido.

  A manhã vinha a romper e, com a luz do dia, a casa movimentou-se. Às tantas, a velha começou a afiar a faca no alguidar.

  Quê? Seria possível?! O raio da mulher teria alma de o degolar?!

  Mas ele ain
da a pôr o caso em teoria, e já ela a deitar-lhe as mãos.

  — Cá-que-rá-cá!…

  O filho, outra vez. Aquele maldito filho, que a dona não depenara juntamente com os outros irmãos.

  JESUS

  Comiam todos o caldo, recolhidos e calados, quando o menino disse:

  — Sei um ninho!

  A Mãe levantou para ele os olhos negros, a interrogar. O Pai, esse, perdido no alheamento costumado, nem ouviu. Mas o pequeno, ou para responder à Mãe, ou para acordar, o Pai, repetiu:

  — Sei um ninho!

  O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas, e ficou atento, também.

  A criança, então, um tudo-nada excitada, contou. Contou que à tarde, na altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pintassilgo de dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no alto, numa galha.

  A Mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai regressou ao caldo.

  Mas o menino continuou. Disse que então prendera a cordeira a uma giesta e trepara pela árvore acima.

  De novo o Pai levantou as pálpebras cansadas, e ficou tal e qual a Mãe, inquieto, com a respiração suspensa, a ouvir.

  E o pequeno ia subindo. O cedro era enorme, muito grosso e muito alto. E o corpito; colado a ele, trepava devagar, metade de cada vez. Firmava primeiro os braços; e só então as pernas avançavam até onde podiam. Aí paravam, fincadas na casca rija.

  A subida levou tempo. Foi até preciso descansar três vezes pelo caminho, nos tocos duros dos ramos. Por fim, o resto teve de ser a pulso, porque eram já só vergônteas as pernadas da ponta.